SINAIS MÁGICOS

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Língua Brasileira de Sinais I Por Ronice Muller de Quadros, Aline Lemos Pizzio e Patrícia Luiza Ferreira Rezende

1. ORGANIZAÇÃO CEREBRAL NO USO DA LINGUAGEM
Textos obrigatórios para a análise deste conteúdo:
RODRIGUES, N. Organização neural da linguagem. Em Língua de sinais e educação
do surdo. Eds. Moura,M. C.; LODI, a. C. e PEREIRA, M. C. Sociedade Brasileira
de Neuropsicologia. SBNp. São Paulo. 1993.
EMMOREY, K.; BELLUGI, U. & KLIMA, E. Organização neural da língua de sinais.
Em Língua de sinais e educação do surdo. Eds. Moura,M. C.; LODI, a. C. e
PEREIRA, M. C. Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. SBNp. São Paulo. 1993.
Segundo BELLUGI et. al. (1989), estudos sobre a organização cerebral indicam
que o hemisfério esquerdo é o responsável pelo processamento de informações
lingüísticas no modo auditivo-oral e que esta capacidade de analisar os sons é
determinante para este hemisfério ser o responsável pela linguagem. Já o hemisfério
direito é o responsável pelo processamento visual-espacial. Com base no exposto acima,
é possível questionarmos se o hemisfério esquerdo é restrito para a língua falada ou se é
a base de uma representação abstrata da forma lingüística, independente da modalidade.
Além disso, as mudanças que a experiência lingüística causa na percepção dos sons e
dos movimentos sugere que o uso da linguagem deve provocar grandes efeitos na
organização cerebral, inclusive que esta deve ser diferente para as línguas de sinais e
para as línguas faladas. Então, a pergunta que se faz é: Qual a relação existente entre os
hemisférios cerebrais e a língua de sinais?
Uma das formas de se aprofundar as especificidades de cada hemisfério é
através do estudo dos distúrbios da linguagem causados por lesão no cérebro, devido a
um AVC (acidente vascular cerebral) ou a um trauma. Os danos causados no hemisfério
esquerdo podem gerar transtornos na linguagem oral (afasia), enquanto os danos
causados no hemisfério direito normalmente não têm efeito sobre o uso da linguagem,
mas causam dificuldades na percepção espacial, sugerindo então que esta seja uma
especificidade deste hemisfério.
Sendo assim, a pergunta que se faz, conforme visto anteriormente, é se o
hemisfério esquerdo é responsável apenas pelas línguas faladas ou, ao contrário, é a
base de uma representação mais abstrata da forma lingüística, independentemente da
modalidade em que a linguagem é transmitida. Para respondê-la, BELLUGI et. al.
(1989) resolvem investigar na ASL como as funções dos dois hemisférios são
organizadas em sinalizantes surdos. Já que o hemisfério esquerdo em ouvintes é
responsável pela função lingüística e o direito pelas funções visual-espaciais, é esperado
que nas línguas de sinais haja uma combinação de ambos os hemisférios para uso destas
capacidades.
Desta forma, os pesquisadores desenvolveram um conjunto de provas
experimentais para investigar a capacidade visual-espacial bem como níveis específicos
de processamento lingüístico para as línguas de sinais. Com isso, eles pretendiam
determinar se um usuário da ASL com lesão cerebral e dificuldades em sinalizar
apresenta tais dificuldades devido a um problema lingüístico, ao uso de símbolos ou ao
controle de movimentos. Para este estudo, foram utilizados sinalizantes surdos que
apresentavam lesão no hemisfério esquerdo e outros com lesão no hemisfério direito do
cérebro.
Os resultados encontrados foram muito interessantes. Os pacientes surdos com
lesão no hemisfério direito, mesmo com uma lesão extensa, não apresentaram
deterioração no seu uso de língua de sinais. Eles se mostraram fluentes, com gramática
estruturada e raros erros de sinalização. Entretanto, apesar da linguagem preservada,
eles mostraram déficits no processamento de relações espaciais não-lingüísticas (como
descrever a organização dos objetos em um aposento). Desta forma, o hemisfério direito
não é responsável pela língua de sinais, apesar de ser responsável pelas relações visualespaciais.
O que se percebe é que a representação mental para relações espaciais entre
objetos reais é diferente daquela organização espacial para conceitos gramaticais
abstratos.
Em contrapartida, os pacientes surdos com lesão no hemisfério esquerdo
apresentaram um bom desempenho nos testes de percepção espacial, mas demonstraram
sua língua de sinais amplamente afetada, com efeitos parecidos com aqueles
encontrados em ouvintes afásicos. Um fato que chamou a atenção foram as diferenças
de padrão nos déficits lingüísticos destes pacientes. Um deles mostrou agramatismo,
não utilizando os sinais adequados, não usando flexões gramaticais nem uma ordem
sintática coerente. Outros dois pacientes, aparentemente, mostraram fluência na
produção, mas com diferentes prejuízos. Um deles usava estrutura coerente, mas
apresentava erros na configuração de mão (como o equivalente a troca de sons na fala),
além de não especificar os referentes no discurso e apresentar problemas de
compreensão. O outro paciente apresentava muitos erros gramaticais, de flexão e de uso
do espaço. Estes dados mostram que lesões no hemisfério esquerdo não causam danos
uniformes na língua de sinais: danos em diferentes regiões afetam diferentes
componentes lingüísticos.
Desta forma, estes achados sugerem que o hemisfério cerebral esquerdo é
dominante para a língua de sinais, assim como também o é para as línguas faladas. A
organização do cérebro para a linguagem não parece ser afetada, particularmente, pela
maneira como a linguagem é percebida e produzida.
Apesar desta dicotomia cerebral, onde o hemisfério esquerdo concentra as
habilidades verbais e o hemisfério direito as visual-espaciais, esta separação é apenas
uma simplificação do que realmente ocorre. Segundo HICKOK et. al. (2002), pesquisas
mais recente apontam que a maioria das habilidades cognitivas pode ser dividida em
múltiplos processos. Em alguns níveis, a atividade cerebral pode ser lateralizada
(acontecendo em um hemisfério), enquanto em outras a atividade é bilateral (ocorrendo
nos dois hemisférios).
A habilidade da linguagem, por exemplo, tem vários componentes (fonológicos,
morfológicos, sintáticos, entoacionais, discursivos). De todos os aspectos da habilidade
lingüística, a produção da linguagem é uma das mais restritas ao hemisfério esquerdo.
Danos neste hemisfério freqüentemente interferem na habilidade de selecionar e reunir
sons e palavras apropriados na fala; entretanto, danos no hemisfério direito raramente
interferem nestes aspectos. Uma exceção no domínio do hemisfério esquerdo para
produção da linguagem é a criação de um discurso coerente. Pacientes com lesão no
hemisfério direito apresentam boa estrutura gramatical, mas freqüentemente divagam de
um assunto a outro, perdendo a conexão entre os tópicos. Assim, a percepção e a
compreensão da linguagem parecem estar menos restritas ao hemisfério esquerdo do
que a produção.
As habilidades espaciais não-lingüísticas também podem ser divididas em vários
componentes, com diferentes padrões de lateralização. As pesquisas mostram que o
hemisfério esquerdo é importante para o nível local de percepção espacial, enquanto que
o direito é importante para processos de nível global. Com isso, os pesquisadores fazem
a seguinte pergunta: a divisão das habilidades visual-espaciais entre os dois hemisférios
está relacionada à divisão das habilidades das línguas de sinais? Sinais individuais e
sentenças sinalizadas podem ser pensados como partes da linguagem, enquanto que um
discurso extenso pode representar como estas partes são conectadas. Talvez o
hemisfério esquerdo seja dominante para produção e compreensão de sinais e sentenças
sinalizadas porque estes processos são dependentes de habilidades espaciais de nível
local. E talvez o hemisfério direito seja dominante para o estabelecimento e manutenção
de um discurso coerente em língua de sinais porque estes processos são dependentes de
habilidades espaciais de nível global.
Os autores, então, resolveram testar sua hipótese e a pesquisa confirmou que
muitos surdos com lesão no hemisfério direito tinham problemas com discursos longos
e outros tinham problemas em manter os referentes dos personagens de suas narrativas
no espaço definido para eles. Entretanto, os sistemas cognitivos no hemisfério esquerdo
que sustentam as habilidades espaciais não-lingüísticas são diferentes daquelas que
sustentam discursos extensos. Ao contrário das expectativas, as habilidades em língua
de sinais de sinalizantes surdos parecem ser independentes de suas habilidades espaciais
não-lingüísticas.
Os resultados desta pesquisa sugerem, também, que a compreensão em línguas
de sinais pode ser mais bilateralmente organizada do que a compreensão em línguas
faladas. Entretanto, a atividade bilateral também foi encontrada em estudos com
ouvintes escutando uma língua falada. Para finalizar, é possível se dizer que estudos de
lesões cerebrais mostram claramente que se existem diferenças entre línguas de sinais e
línguas faladas, elas provavelmente são sutis e específicas da linguagem.

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